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Pesquisadores registram grupo de Guaribas-da-Caatinga, primata criticamente ameaçado de extinção, na Reserva Natural Serra das Almas

 

Pesquisadores parceiros do Projeto No Clima da Caatinga, patrocinado pela Petrobras, registraram pela primeira vez um grupo de Guaribas-da-Caatinga (Alouatta ululata) na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Serra das Almas, Unidade de Conservação (UC) localizada entre os municípios Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI). O animal é um primata de médio porte e está criticamente ameaçado de extinção.

O estudo foi encabeçado por Robério Freire Filho, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Segundo ele, foram utilizadas 10 armadilhas fotográficas (câmeras ativadas por sensores de movimento e calor) para encontrar os animais em seu habitat natural sem a necessidade de interferência humana. O Guariba-da-Caatinga costuma viver na parte superior de árvores que vão de 10 a 15 metros de altura.

Para o doutorando, a presença da espécie na RPPN Serra das Almas é animadora: “um registro desse dentro de uma Unidade de Conservação privada, onde há o compromisso de conservação e um trabalho para inibir a caça, é muito vantajoso, é muito bom para qualquer espécie que esteja dentro dessa Unidade que funciona como um verdadeiro refúgio”. 

A população de Guaribas-da-Caatinga na Serra das Almas, provavelmente, é pequena; por volta de 10 indivíduos. Mas Robério explica que a tendência é o crescimento desse número devido à gestão da unidade: “a RPPN é grande e muito bem gerida e existe todo um propósito. Então a gente acredita que vai haver um aumento da população, principalmente nesta região. No Ceará, o bicho praticamente é restrito à área da encosta mais íngreme da Serra da Ibiapaba, onde as pessoas não chegam e nos outros enclaves úmidos é a mesma situação, são áreas de declive muito acentuada, de difícil acesso. Mas, ocorrendo na Serra das Almas, a gente vai ter aí uma população que representa o Ceará e que vai estar bem preservada”.

 

A ideia dos pesquisadores e do Projeto No Clima da Caatinga é seguir com o monitoramento da espécie e contabilizar precisamente o número de Guaribas-da-Caatinga na Serra das Almas. Entretanto o objetivo é um grande desafio, pois os poucos indivíduos da região são arredios e ao menor sinal de presença humana botam em prática uma técnica chamada “congelamento”. Os animais vão para a copa de alguma árvore e ficam imóveis, dificultando a observação e, consequentemente, a contabilização.

Robério também dá bons prognósticos para a área. “Na RPPN, daqui 10, 15 anos, você vai ouvir as Guaribas cantarem, todos os dias. Tanto no início do dia quanto no final da tarde (…) só que se você for lá hoje, você não vai escutar muita coisa, eles vocalizam de forma muito eventual. Então certamente são um ou dois machos que vocalizam e ninguém responde, se ninguém responde não faz sentido vocalizar, então é melhor ficar calado”, esclarece.

Uma das principais características do Guariba-da-Caatinga é sua vocalização. O primata, principalmente o macho, têm um osso hioide (osso localizado abaixo da mandíbula do animal) que os permite emitir poderosos sons que podem ser escutados em até 3 quilômetros de distância e duram cerca de 10 minutos.

 

Estado de conservação

A Guariba-da-Caatinga é uma espécie de primata criticamente ameaçada de extinção com base no dados nacionais do Instituto Chico Mendes de Conservação (ICMBio) e ameaçada de extinção a partir da avaliação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

Robério esclarece que uma das causas mais preponderantes para essa situação são as mudanças climáticas. Os períodos de atividade do Guariba se dão nas horas frias do dia, no começo da manhã e no fim da tarde, então “quanto mais quente o dia ficar, menos tempo de atividade eles vão ter e na realidade os animais vão se ajustar a esses fenômenos, mas isso vai afetar outras questões, como taxa de sobrevivência, natalidade, mortalidade e tudo isso, é um efeito cascata, você altera o comportamento e isso afeta a ecologia do animal”, assevera o pesquisador

Além disso, o declínio populacional da espécie está ligado à perda de habitat. Para viver, o Guariba precisa de uma área florestal extensa, com árvores grandes e robustas. Robério explica o quadro geral do Estado: “no Ceará, áreas florestadas em ambientes planos praticamente não existem, nem na Serra da Ibiapaba, no topo já existiu, mas não existe mais hoje. (…) O que restou foram áreas de declive muito acentuadas, verdadeiros paredões onde o ser humano não consegue chegar na mesma intensidade para produzir e desmatar. E nessas áreas os Guaribas sobrevivem”.

Atualmente, a área de ocorrência da espécie se dá em porções do Maranhão, no noroeste do Ceará, justamente nos remanescentes florestais da Serra das Ibiapaba, no norte e centro-norte do Piauí, principalmente no Delta do Rio Parnaíba, além da Reserva Natural Serra das Almas.

No entanto, a situação do Piauí é sensível. Com o Guariba extinto na porção sul do Estado devido a agricultura predatória, Robério prevê que os produtores (principalmente os de soja) irão em direção ao norte piauiense; uma iminente ameaça à já frágil existência da espécie na região.

A caça é outro fator que entrava a vida dos Guaribas. Porém, Robério afirma que esse tipo de pressão antrópica, apesar de ainda existente em certas regiões do Ceará e Piauí, é predominantemente histórica.

 

Projeto Guariba

O Projeto Guariba foi criado em 2016. A proposta surgiu a partir da pesquisa de mestrado de Robério na Universidade de Lisboa e, nos dias de hoje, é financiada pela Rufford Foundation com o apoio do Muriqui Instituto de Biodiversidade (MIB).

“O projeto iniciou-se com a ideia de propor um material que fosse utilizado de forma eficiente para a conservação do Guariba porque ele é ameaçado de extinção e muito pouco estudado. Sabemos pouca coisa sobre ele hoje em dia e na época sabia-se menos ainda, na verdade, não sabia-se nem os pontos de ocorrência”, relembra.

Além de Robério Freire Filho, o Projeto Guariba também é formado por  Bruna Teixeira, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da UFPE; Thabata Cavalcante, bióloga; e Bruna Bezerra, professora do Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal da UFPE.

O trabalho do grupo é dividido em três eixos: produção científica, educação ambiental com as comunidades locais das áreas de ocorrência da espécie e divulgação através das redes sociais. Dentro desses ramos, o projeto também analisa as unidades de conservação que resguardam Guaribas-da-Caatinga e propõe novas áreas protegidas em locais estratégicos para a preservação do mamífero.

Para finalizar, Robério explana que o projeto vê o Guariba-da-Caatinga como uma espécie guarda-chuva, ou seja, um bicho que ao ser protegido irá, por consequência, conservar outras espécies.

“De fato é um bicho que precisa de um ambiente com um estrato arbóreo, precisa de uma condição boa para poder existir. Se não for um ambiente florestal, ele não ocorre. Ou seja, em um ambiente como este várias outras espécies são conservadas”, encerra.