06 mar Caatinga preservada, água garantida
O dia 22 de março marca o ‘Dia Mundial da Água’, data criada em 1993 pela Organização das Nações Unidas para incentivar o debate social sobre o abastecimento de água potável e a preservação de fontes hídricas. É de suma importância discutir a relação desse tema com o semiárido brasileiro, pois o bioma Caatinga oferece uma série de serviços ecossistêmicos, benefícios gerados pela natureza, que são essenciais para a qualidade de vida das populações. Entre esses serviços, destacam-se a provisão de alimentos, solos para cultivo, regulação climática e, dentre eles, o fornecimento de água.
Esses serviços ecossistêmicos são vitais para o bem-estar das plantas e animais, incluindo os humanos, da Caatinga. Por esse e outros motivos, reveste-se de grande valor ter um olhar especial sobre a Caatinga no ´Dia Mundial da Água´. Mas afinal, qual a relação entre a água e a Caatinga? Venha conosco e descubra.
Desconhecimento x biodiversidade
Durante muito tempo, a Caatinga foi retratada apenas como um ambiente seco, onde predominava a escassez de água, negligenciando outros aspectos potenciais da Caatinga e influenciando a opinião pública a concebê-la de maneira parcial e, muitas vezes, preconceituosa.
No entanto, ao contrário do que dizem os estereótipos, o domínio da Caatinga é habitado por uma surpreendente variedade de espécies:
- 3150 espécies de plantas floríferas;
- 276, de formigas;
- 386, de peixes;
- 98, de anfíbios;
- 548, de aves;
- 183, de mamíferos, e, ao menos,
- 196 espécies de répteis.
Além disso, o bioma abrange 9 estados do Brasil: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e também a faixa norte de Minas Gerais. Isso equivale a cerca de 10,1% do território nacional e 53,49% da região Nordeste. Ademais, cerca de 28 milhões de pessoas vivem nesse ambiente. É a relevância desses dados que dá suporte à hipótese científica de que a Caatinga é a floresta semiárida mais biodiversa do mundo.
A água na Caatinga
O clima semiárido, característico das áreas de Caatinga, é marcado por dois períodos: o chuvoso e o seco. O período chuvoso dura de três a cinco meses por ano, com chuvas intensas e irregulares, enquanto o período seco domina na maior parte do ano. Os volumes totais de chuva variam consideravelmente de ano para ano, e há fenômenos periódicos, que ocorrem a cada 10 ou 20 anos, conhecidos como “secas”, onde a média de chuvas fica abaixo do normal por 3 a 5 anos consecutivos.
Além das chuvas, a evapotranspiração também é responsável pela umidade na Caatinga. Esse é o nome científico dado ao processo combinado de evaporação da água da superfície da terra e de transpiração das plantas. Explicando em palavras mais simples: é como se a natureza estivesse soltando um pouco de vapor d’água para o céu. Esse fenômeno desempenha um papel crucial no ciclo da água, afetando o equilíbrio hídrico, a distribuição de chuvas e a umidade do solo. Na Caatinga, a evapotranspiração é especialmente forte, uma vez que o semiárido é uma das regiões secas mais quentes do planeta. No período seco, a temperatura do solo pode chegar a 60°C, e o sol forte acelera a evaporação das águas dos lagos e rios.
Dito isso, como já vimos, os níveis de chuvas na Caatinga são concentrados em um só período enquanto a evapotranspiração potencial tem constantes níveis elevados, o que produz uma deficiência hídrica sazonal, especialmente nos anos de seca. Isso significa que, em certos pontos e épocas, a quantidade de água que evapora é maior do que a quantidade de água que cai do céu.
Importância da Caatinga preservada para garantia de água
Mas, na prática, como as florestas de Caatinga garantem o abastecimento de água? A resposta para essa pergunta envolve inúmeros aspectos, principalmente relacionados ao fornecimento de serviços ecossistêmicos: abastecimento de água, solo para cultivo, abrigo, alimentos, regulação climática, purificação da água e do ar etc.
De modo geral, podemos dizer que a floresta em pé ajuda a reter a água no solo, alimentando os lençóis freáticos e conservando a umidade na Caatinga para os períodos mais secos do ano. Além disso, a retenção de água pelas plantas auxiliam na manutenção da temperatura através da evapotranspiração, mantendo o clima na Caatinga mais ameno e agradável. Ademais, áreas preservadas de Caatinga são fundamentais para a proteção das nascentes e dos rios que são extremamente essenciais para o abastecimento de milhões de nordestinos, além de todas as outras espécies da fauna e da flora. O rio São Francisco é um notável exemplo de um rio perene e de grande porte, assim como os rios Parnaíba e Jaguaribe.
Convivência com o semiárido
Os moradores da Caatinga, principalmente os que vivem em comunidades rurais distantes dos grandes centros urbanos, enfrentam desafios significativos relacionados à escassez de água. As chuvas irregulares, características do clima semiárido, unidas à baixa retenção de água pelos solos, ao desmatamento e ao mau uso pela população tornam o recurso escasso e ainda mais necessário.
A proteção das florestas e nascentes, a não contaminação dos corpos hídricos e o uso consciente da água são formas de garantir a boa qualidade de vida para as famílias da zona rural e urbana, além de contribuir para a sobrevivência dos animais e para a manutenção das florestas. E é nesse contexto que entra o No Clima da Caatinga (NCC).
O NCC atua no semiárido brasileiro desde 2011 e seu objetivo é diminuir os efeitos potencializadores do aquecimento global por meio da conservação do semiárido. A base central do trabalho do projeto é a Reserva Natural Serra das Almas (RNSA), localizada entre os municípios de Crateús (CE) e Buriti dos Montes (PI) com 6.285 hectares de extensão e um papel importante na proteção da biodiversidade local .
O projeto NCC implementa o Modelo Integrado de Conservação da Caatinga, uma estratégia que busca proteger o bioma integrado ao desenvolvimento sustentável das comunidades rurais ao redor da Serra das Almas. Esse modelo envolve 4.000 famílias de 40 comunidades em projetos socioambientais, reconhecendo a importância de vincular a convivência com o semiárido à geração de renda e ao progresso local.
Por meio desse modelo de gestão, o NCC, realiza várias ações, entre elas, a distribuição de tecnologias sociais voltadas para a captação e reutilização de água, como a cisterna de placas, o sistema bioágua e o canteiro bioséptico.
As cisternas de placas consistem em uma estrutura projetada para captar e armazenar água da chuva, cada cisterna pode captar até 16 mil litros de água. Em relação ao sistema bioágua, a tecnologia filtra a água que proveniente da pia e do chuveiro e o que antes era desperdiçado é redirecionado para a produção de alimentos no quintal da família.
Por fim, os canteiros biosépticos consistem em tecnologia que trata a água residual do vaso sanitário (fezes e urina) e os transforma em água para o cultivo de plantas frutíferas. O sistema filtra os efluentes das residências, direcionando a água descartada para uma fossa de evapotranspiração, prevenindo a transmissão de doenças e a contaminação do solo.
Além dos estereótipos
Desmistificar os estereótipos acerca da Caatinga é fundamental para compreender a riqueza e a resiliência desse ecossistema muitas vezes rotulado como sem água, pobre e esquecido. Embora a paisagem caatingueira seja marcada por períodos secos desafiadores, ela abriga uma biodiversidade única detentora de adaptações singulares, além de uma intrincada rede de recursos hídricos com rios intermitentes e termitentes que abastecem milhões de pessoas.
É crucial reconhecer que a Caatinga é uma região que merece atenção, cuidado, respeito e investimento. As comunidades locais, muitas vezes retratadas como atrasadas, são dotadas de importantes saberes e conhecimentos, além de terem uma relação profunda de convivência com o meio ambiente, demonstrando resiliência ao longo das gerações.
Projetos de conservação, educação ambiental e desenvolvimento sustentável podem contribuir para promover uma visão mais abragente e precisa sobre a Caatinga, valorizando seu papel único no cenário brasileiro e global. Ao desfazer os estereótipos, podemos destacar as inúmeras qualidades e potenciais da Caatinga, incentivando uma abordagem mais consciente e sustentável em relação a esse sistema natural singular.
O No Clima da Caatinga é realizado pela Associação Caatinga e patrocinado pela Petrobra s por meio do Programa Petrobras Socioambiental.